Obra Reunida

Othoniel: O príncipe dos poetas
— Murilo Melo Filho* —
Se esta apresentação não tiver outro mérito, terá tido o condão de aproximar-me da memória de Othoniel Menezes de Melo, um grande poeta do Rio Grande do Norte.
Aprofundei-me em sua vida, naveguei na sua obra, conheci os seus sofrimentos e, de todo esse retorno a um passado recente, saí reconfortado pelo encontro de um enorme manancial de cultura, de inspiração e de sabedoria poéticas.
Quem foi Othoniel?
Soube que nasceu em Natal, no dia 10 de março de 1895, estudou no Colégio Santo Antônio e no Atheneu, foi sargento no 29º. Batalhão de Caçadores e integrou as tropas mandadas ao Piauí em perseguição à Coluna Prestes, que naquele tempo devassavam o interior brasileiro.
Quando viajava para Teresina, perdeu a bordo do navio os originais do seu livro Ara de fogo, com alguns dos melhores poemas. Anos antes, foi promotor público em Macau, onde se aproximou do poeta e acadêmico Edinor Avelino.
Passou no Acari e voltou a Natal, onde, em 1935, foi o autor da única edição do jornal A Liberdade, que circulou no dia 27 de novembro daquele ano, como órgão oficial da revolução comunista de então, impresso por curiosa coincidência nas oficinas do jornal oficial do Estado, A República, do qual o poeta e jornalista era o secretário. Na pressa de imprimi-lo, como não havia matéria suficiente para mais uma página, Othoniel nela incluiu um anúncio do “Sal de Fructas Eno”.
Othoniel não era nem nunca foi comunista. Era apenas um cafeísta, amigo e eleitor de Café Filho. E essa confusão o perseguiria quase a vida toda.
Foi várias vezes convidado a candidatar-se à Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Enquanto pôde, resistiu aos convites. Mas terminou vencido por eles e, atendendo a uma exigência de acadêmicos amigos, terminou aceitando ser candidato à Cadeira nº. 23, na qual teve como patrono Antônio Glicério, sucedeu a Bezerra Júnior e foi sucedido por Jayme dos Guimarães Wanderley e Iaperi Araújo, seu atual ocupante.
Ensaísta, Othoniel escreveu textos importantes, como o ensaio sobre “Ferreira Itajubá – O drama da vida de província”, patrono e um dos meus antecessores na Cadeira nº. 19, da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras que, no meu discurso de posse, chamei de “boêmio, irrequieto, genioso, combativo, lírico, irônico, messiânico, Manoel Virgílio Ferreira Itajubá, além de poeta e jornalista, foi também orador popular, professor e inspetor do Atheneu, agitador socialista, partidário de José da Penha, líder operário, pregador protestante, aprendiz de pintor e artista de circo, onde fazia de tudo: diretor, empresário, domador de feras e acrobata. Conseguiu ser tudo isto em apenas 35 anos de uma vida atípica. Parecia até que tinha pressa em viver e cuidou de exercer o maior número de profissões, no menor espaço de tempo possível. Existiram e conviveram vários Itajubás dentro de um só”.
Othoniel foi consagrado com um título que não o envaidecia muito: o de “Príncipe dos poetas potiguares”.
O acadêmico e poeta Esmeraldo Siqueira, da ANRL, prefaciando o livro A canção da montanha, de Othoniel, escreveu que “o seu lirismo é de uma larga simpatia que abraça e envolve o mundo”.
E o acadêmico Olegário Mariano, da ABL, que o visitou numa passagem por Natal, considerou-o “um dos maiores poetas brasileiros”.
Realmente, a poesia de Othoniel é elegante e vigorosa, trabalhada por uma dedicação de admirável artesão, na polidez e brilho dos seus versos. Seu estro vai buscar influxo na poética de Vigny, Antero, Rimbaud, Guerra Junqueiro, Bilac, Alberto de Oliveira, Cecília e muitos outros.
Veríssimo de Melo comentou certa vez que Othoniel era um autodidata, que adquiriu requintada cultura literária, conquistada no contato com escritores e poetas de Portugal, Espanha e França, tendo sido um poeta de influência universal. Veríssimo reconstituiu a pitoresca história do poema “Praieira”, que Othoniel, em 1922, no Centenário da República, escreveu, a pedidos, dedicado à odisséia de seis pescadores potiguares que realizaram um heróico “raid” de Natal ao Rio de Janeiro:
Praieira dos meus amores,
Encanto do meu olhar!
Quero contar-te os rigores
Sofridos a pensar
Em ti sobre o alto-mar…
Ai! Não sabes que saudade
Padece o nauta ao partir,
Sentindo na imensidade,
O seu batel fugir,
Incerto do porvir!
O poema alcançou tanto sucesso em Natal que Othoniel se animou a pedir a Eduardo Medeiros que o musicasse. Passaram-se várias semanas e o músico não dava sinal de vida. Até que um amigo comum deu o conselho: “Molhe a mão dele, que num instante a música sai!”.
No dia seguinte, o músico estava na porta de Othoniel, violão em punho, executando os acordes de “Praieira”, tendo a honestidade de confessar que, para fazer a composição, “com tanta pressa”, tivera de apropriar-se de alguns compassos de um velho tango.
O certo é que nasceu aí uma bela melodia, que se transformou numa espécie de hino da cidade de Natal e que foi agora imortalizada num compact disc com o Trio Irakitã, nascido em Natal sob as bênçãos de Cascudo, nas vozes de Gilvan, Edinho e Joãozinho.
Othoniel era um poeta popularíssimo, talvez um pouco pelo sucesso de “Praieira”, mas que não explorava essa popularidade, nem tirava dela o menor proveito ou vantagem.
Tinha um modesto emprego na Base Aérea de Natal, que deixou para embarcar num avião do Correio Aéreo Nacional e vir para o Rio, a chamado do chefe da nação.
Três vezes foi recebido oficialmente no Palácio do Catete pelo presidente Café Filho, seu conterrâneo e correligionário e somente depois de muita insistência dos amigos se viu nomeado escriturário do Instituto Nacional do Sal.
Othoniel era um homem correto e digno, altivo em sua pobreza e humildade, grato e reconhecido aos seus amigos, mas também muito sofrido, e, não raro, revoltado pelas ingratidões recebidas.
Com a primeira esposa, Maria do Carmo, sua prima legítima, teve três filhos: Euryalo, Maria do Carmo e Maria de Lourdes. Com Maria da Conceição Ferreira, sua musa derradeira e companheira de quase cinqüenta anos, foi pai de Washington, Teresinha, Hermilo e Laélio.
Seu estado de saúde agravou-se sempre, com as sequelas do atropelamento de que fora vítima há vários anos e que se complicaram muito com o mal de Parkinson, vindo a morrer no dia 19 de abril de 1969, num modesto apartamento da rua Queiroz Lima, nº. 18, no bairro do Catumbi.
Tinha 74 anos de idade e foi sepultado no Cemitério do Caju. Causa mortis: edema agudo do pulmão e infarto do miocárdio. Seu filho Laélio – que ainda em vida o poeta encarregou de guardar e zelar pelos seus escritos – encontrou depois vários volumes datilografados e rubricados por Othoniel e uma caderneta com o manuscrito de seus poemas inéditos, já amarelados, manchados e emendados com fita adesiva.
Eles estavam dispersos e espalhados por aí e são agora reunidos neste livro, graças aos diligentes esforços de Isaura Rosado e do próprio Laélio Ferreira.
São suas obras completas – de sua prosa e de sua poesia: Gérmen, o primeiro livro; Jardim tropical; Sertão de espinho e de flor; A canção da montanha; Ara de fogo; Abysmos; A cidade perdida; Desenho animado; Esparsos e Ferreira Itajubá.
Todos eles bem merecem ser lidos.
E meditados.
Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2007
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* Jornalista, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia
Norte-Rio-Grandense de Letras.